Nesse momento histórico em que vivemos, atividades e práticas esotéricas, sobrenaturais e duvidosas voltaram a ganhar adeptos entre diversas...
Nesse momento histórico em que vivemos, atividades e práticas esotéricas, sobrenaturais e duvidosas voltaram a ganhar adeptos entre diversas camadas da população mundial, levadas na onda pós-moderna que tenta desbancar os pressupostos universalistas da ciência. A partir de agora, tanto o xamanismo indígena quanto a feitiçaria ou as correntes de orações têm o mesmo peso do que a medicina – muito embora apenas esta última possa comprovar a eficácia dos seus métodos em experiências controladas.
Uma dessas práticas esotéricas muito em voga atualmente é o chamado toque terapêutico, que surgiu em 1972 nos Estados Unidos e consiste na ideia de que todos nós temos um campo de energia emanando do nosso corpo e que algumas pessoas treinadas podem curar doenças detectando e manipulando essa energia. O método consiste num “médico” praticante do toque terapêutico mover suas mãos alguns centímetros acima do corpo do paciente, visando detectar e afastar qualquer energia negativa que esteja causando a doença.
Há algumas décadas atrás, essa prática seria considerada crendice supersticiosa, mas como estamos vivendo esse momento estranho, o toque terapêutico é válido e aceito em diversas partes do mundo como autêntico, inclusive – é claro – no Brasil. Ele é, por exemplo, praticado em quase 80 hospitais nos Estados Unidos e ensinado em mais de uma centena de faculdades e universidades pelo mundo afora.
Mas, de fato, o toque terapêutico funciona?
Os praticantes dessa atividade afirmam categoricamente que sim. Dizem eles que milhares de indivíduos melhoraram depois de passar por este tratamento.
Sim, as pessoas estavam doentes e melhoraram. Mas pessoas ficam doentes e melhoram sozinhas também e, portanto, não quer dizer que melhoraram por causa do toque mágico.
Um fundamento básico do toque terapêutico, ou seja, de que todos nós temos um campo de energia emanando dos nossos corpos que pode ser detectado, foi testado em uma experiência controlada nos Estados Unidos, que envolvia 21 médicos praticantes dessa atividade. A metodologia era bastante simples: os terapeutas tinham que colocar as mãos com as palmas viradas pra cima sobre uma mesa. Emily Rosa, uma menina então com 9 anos, ficava do outro lado da mesa, mas com uma tela entre ela e a terapeuta. Emily colocava uma das suas sobre uma das mãos dos terapeutas, sem encostar. Se eles pudessem detectar o campo de energia humana, deveriam ser capazes de saber sobre qual mão pairava a mão de Emily. A probabilidade de acertos ao acaso, no chute, é de 50 por cento. Pois ao longo dos testes, a média dos acertos dos “médicos” foi de 44 por cento! Ou seja, pior do que a taxa de acertos que seria obtida pela simples tentativa de adivinhação...
Reportagem da ABC sobre o experimento de Emily Rosa (em inglês)
Mas mesmo desmoralizado pelas experiências, o toque terapêutico continua ganhando adeptos. A explicação só pode passar por dois caminhos: primeiro, as pessoas pensam que estão se sentindo melhor, e acabam se convencendo de que estão mesmo. É o chamado efeito placebo. Mas o fato do toque terapêutico causar em alguns casos um bem-estar psicológico em pessoas mais suscetíveis não prova que existam campos energéticos que possam ser manipulados. E segundo, os sintomas possuem algum grau de variabilidade – ou seja, às vezes são mais fortes, outras vezes, mais amenos. Nem todas as doenças demandam tratamentos: algumas delas simplesmente somem sozinhas, mesmo sem nenhuma intervenção (estima-se que 85% de nossas doenças são autoeliminantes). Existem na literatura médica diversos relatos até mesmo de doenças graves como câncer e esclerose múltipla que se reverteram espontaneamente. Mas se você procurou a terapia do toque, uma igreja ou um centro espírita, as chances de você ser convencido de que a cura veio dessas intervenções será bastante grande...
Na verdade, não há grande perigo em se acreditar em curas sobrenaturais. Mas existem pessoas que não se conformam com explicações fáceis, ingênuas e apenas confortantes. Elas buscam saber a verdade, por mais dura que ela possa ser. Assim, as chances de você ser enganado ou fazer papel de tolo numa fase difícil e vulnerável da vida, a de uma enfermidade, diminuem bastante – e o melhor: abandonar certas crendices não afetará em nada, nem para melhor, nem para pior, as suas chances de cura.
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Fonte: KIDA, Thomas. Não acredite em tudo o que você pensa. Ed. Elsevier, Rio de Janeiro: 2007